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Dra. Ana Cecília Gonçalves

Terapeuta da Fala

 

 

 

 

Dra. Ana Cecília Gonçalves

Dra. Ana Filipa Murteira

Terapeuta da Fala

 

 


 

 

Dra. Ana Cecília Gonçalves

O papel da terapia da fala no doente com acidente vascular cerebral


HPA Magazine 16


O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma doença cerebral, de instalação súbita, causada pela interrupção do fornecimento de sangue ao cérebro, devido a um bloqueio (chamado AVC isquémico) ou rompimento (chamado AVC hemorrágico) de uma artéria cerebral. Dados da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral indicam que o AVC continua a ser a principal causa de morte e incapacidade em Portugal. Estima-se que cerca de dois terços dos doentes que sofreram um AVC fiquem com sequelas motoras, cognitivas ou comportamentais, com consequências importantes ao nível social, familiar e profissional. 
O papel da reabilitação no pós-AVC é determinante na recuperação dos doentes, de forma a melhorar a sua funcionalidade e qualidade de vida. A Terapia da Fala é parte integrante da vasta equipa de reabilitação, estando envolvida em todas as etapas da recuperação com o objetivo de avaliar e intervir nas dificuldades de comunicação e deglutição destes doentes. 
Mas como se caracterizam as dificuldades de comunicação e deglutição no doente com AVC? Como pode o Terapeuta da Fala ajudar estes doentes na sua recuperação? 


O papel da terapia da fala no doente com acidente vascular cerebral


 

COMUNICAÇÃO: LINGUAGEM E FALA
A comunicação é um elemento fundamental da cognição humana, através da qual expressamos necessidades, emoções e opiniões, que fazem de cada um de nós um ser individual, social e participativo. A comunicação (verbal ou não-verbal) é dependente de uma rede complexa de estruturas e processos cerebrais. Ao atingir determinadas áreas cerebrais, o AVC pode conduzir às dificuldades de comunicação. 
Estas dificuldades de comunicação podem, de forma geral, ser devido a uma afetação de áreas do cérebro envolvidas na linguagem – a que se dá o nome de Afasia, e/ou a uma afetação de áreas do cérebro envolvidas na fala – a que se dá o nome de Disartria. 

AFASIA 
A Afasia é uma perturbação adquirida da linguagem, na sequência de uma lesão no cérebro, das quais se destaca o AVC. A Afasia afeta a capacidade de uma pessoa em se expressar quando fala e/ou compreender o que os outros dizem. Pode igualmente afetar a capacidade de ler, escrever e fazer gestos. Estima-se que cerca de 25% dos doentes possam ficar afásicos após um AVC.
Os sintomas de Afasia variam de indivíduo para indivíduo, mas de forma geral, pode-se apontar como sintomas mais comuns: 

  • Dificuldade em encontrar as palavras ao falar, embora se saiba o que se quer comunicar
  • Substituir palavras ou sons ao falar, por exemplo dizer “leite” em vez de “sumo”
  • Falar utilizando frases curtas ou incompletas
  • Dificuldade em compreender o que os outros dizem 
  • Dificuldade em compreender o que se lê ou em ler em voz alta
  • Dificuldade em escrever palavras ou frases 
  • Dificuldade em gesticular ou compreender os gestos feitos pelos outros

Ao afetar a capacidade de linguagem, a Afasia compromete a comunicação, participação e autonomia nas atividades diárias, papeis sociais e familiares, com consequências psicossociais importantes. 
A intervenção do Terapeuta da Fala com as pessoas com afasia e familiares/cuidadores é determinante para a recuperação da linguagem e desenvolvimento de estratégias de comunicação que ajudem a pessoa com a afasia a comunicar o mais eficazmente possível. 
Para além da intervenção direcionada à pessoa com afasia, o Terapeuta da Fala tem um importante papel na educação de outros profissionais da equipa multidisciplinar e familiares/cuidadores/amigos sobre estratégias comunicativas que possam potenciar a comunicação com a pessoa com afasia. 

DISARTRIA 
Para falarmos de forma clara, é necessário um controlo adequado da musculatura oral e respiratória. A Disartria é então definida como a dificuldade em utilizar esta musculatura durante a articulação da fala. A Disartria é uma sequela muito comum após o AVC (uma prevalência de cerca de 60%), embora o grau de afetação da inteligibilidade da fala varie consideravelmente entre os doentes com Disartria. 
De forma geral, pode indicar-se como sintomas mais comuns: 

  • Falar devagar ou “arrastar” as palavras ao falar
  • Falar muito baixo ou sussurrado ou com a sensação de voz estrangulada
  • Dificuldade em produzir determinados sons ao falar
  • Alteração na entoação das palavras ao falar
  • Dificuldade na mobilidade dos lábios, língua ou outros músculos orofaciais

Após a avaliação, o tipo de reabilitação mais adequado será ajustado de acordo com a severidade do caso e características do quadro, podendo centrar-se, por exemplo, na recuperação das funções de fala perturbadas ou, em casos severos, na implementação de estratégias comunicativas aumentativas ou alternativas. 

 

DEGLUTIÇÃO
A deglutição é um processo fisiológico complexo, que garante o transporte seguro do alimento desde a boca até ao esófago, evitando a passagem do mesmo para as vias aéreas. O processo de deglutição é controlado por mecanismos neurológicos, musculares e sensoriais, os quais podem ser afetados pela ocorrência de um AVC.  
A Disfagia acontece quando existe uma alteração neste processo de deglutição. A Disfagia é uma importante complicação do AVC agudo, afetando entre cerca de 30 a 55% dos doentes. Dependo da severidade da situação clínica, a Disfagia pode permanecer como um problema crónico, com prejuízo para a qualidade de vida do individuo. De referir que o paciente com Disfagia apresenta um risco 3 a 7 vezes maior de pneumonia por aspiração (ou seja, pneumonia por entrada de alimento na via respiratória e pulmões), aumentando o risco de complicações clínicas, o tempo de internamento hospitalar e até a possibilidade de morte. É comum que, após o AVC, ocorram alterações de sensibilidade que podem conduzir a aspiração silenciosa, sem qualquer sinal como a tosse ou engasgo, pelo que nestes casos o risco de pneumonia é agravado.
De forma geral é importante estar alerta para sintomas e sinais de Disfagia, tais como:

  • Dificuldade em controlar a saliva;
  • Dificuldade em segurar o alimento na cavidade oral (boca); 
  • Sensação de alimento preso na garganta ou necessidade de expelir conteúdo alimentar; 
  • Ficar com o alimento na boca depois de engolir;
  • Deglutir várias vezes para um bolo alimentar pequeno;
  • Não ser capaz de mastigar os alimentos;
  • Demorar muito tempo para engolir ou completar uma refeição; 
  • Tossir antes, durante ou após (imediata ou tardia) a deglutição;
  • Voz “estrangulada” ou “molhada ou gargarejada” após a deglutição;  
  • Pneumonias de repetição;
  • Pneumonias sem causa aparente; 
  • Febre sem causa aparente;

É fundamental que doentes com Disfagia sejam observados por um Terapeuta da Fala, para que possam ser avaliadas as dificuldades específicas de deglutição e implementado o tratamento mais adequado, o mais rapidamente possível, de forma a garantir a segurança da alimentação. 

Nesse sentido, o Grupo HPA colocou em prática uma triagem da Disfagia Orofaríngea que deve ser, entre outros, aplicada a pacientes com antecedentes/alterações neurológicas como no caso de ocorrência de um AVC, cuja a aplicação é realizada pela equipa de enfermagem, aquando da entrada nos nossos hospitais, definindo se deve ser avaliado pelo Terapeuta da Fala.
Neste processo o Terapeuta da Fala irá observar o doente a comer ou beber diversas consistências alimentares (sólidas, pastosas e líquidas), examinando a funcionalidade da deglutição, mas também e, de forma detalhada, os movimentos dos músculos envolvidos. Em muitos casos, a avaliação da deglutição poderá ser complementada com um exame médico, feito pelo Otorrinolaringologista e Terapeuta da Fala, usando uma pequena câmara, inserida através do nariz, que possibilita a visualização da laringe, faringe e parte do esófago e que serve para avaliar a morfologia, sensibilidade e mobilidade das estruturas e músculos durante a deglutição. 
A reabilitação será sempre de acordo com as dificuldades específicas de cada paciente e pode, de forma geral incluir modificações à dieta (por forma a garantir que apenas consistências alimentares seguras são ingeridas), técnicas e estratégias para uma deglutição segura e exercícios direcionados para fortalecer os músculos envolvidos na deglutição. 
Concluímos relembrando da importância dos três F ’s na identificação dos sinais de alerta para a ocorrência de AVC, devendo contactar imediatamente os serviços de emergência: Face descaída, dificuldade em Falar e perda de Força num dos lados do corpo. 
Caso tenha sofrido, ou conheça alguém que tenha sofrido um Acidente Vascular Cerebral e apresente dificuldades na comunicação ou deglutição, procure um Terapeuta da Fala.